Inteligência Artificial: um “copiloto” para o século XXI
Como detetar fugas de água em canos enterrados? Responder a esta pergunta tem sido um desafio, mas para a AI não é. Descubram nestas linhas um exemplo prático de como a inteligência artificial pode ajudar a poupar água e a redefinir o papel do humano. No bom sentido.
A Inteligência Artificial (IA) é o “hype” do momento, em grande parte, devido aos avanços significativos de algumas aplicações generativas, nomeadamente o ChatGPT, cujo modelo linguístico é verdadeiramente impressionante.
Aludindo um pouco à ficção, os computadores começam finalmente a parecer-se com o HAL9000, protagonista do filme “2001 – Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, baseado num conto de Arthur C. Clark, que também participou na criação do argumento do filme. No entanto, a IA e os seus fundamentos são já bastante antigos.
Em 1950, o matemático inglês, Alan Turing filosofou sobre o pensamento das máquinas e a sua inteligência. Na sequência, partindo da dinâmica do “jogo da imitação”, elaborou um teste em que coloca um avaliador a conversar com um computador e com um humano (sem os ver diretamente). Se o avaliador não fosse capaz de distinguir o Homem da máquina, isso significaria que esta seria “inteligente”. Este teste ficou conhecido como o teste de Turing e, conceptualmente, ainda hoje é válido.
Contudo, mesmo com todos os avanços entretanto registados, a IA continua a ser um motor estatístico tão bom (ou enviesado) quanto o treino que lhe foi dado. Por outras palavras, a máquina reproduz o que lhe foi ensinado. Se, por absurdo, nunca tivesse visto a imagem de um gato, a máquina nunca conseguiria descobrir um gato[1]. Aliás, grande parte do avanço da IA atual deve-se à enorme biblioteca de conhecimento e exemplos chamada internet. É este enorme banco de dados, o maior de toda a história da humanidade, que permite treinar tão bem os algoritmos. E é exatamente por isso que, por vezes, a máquina é enviesada – porque a amostra de experimentação e treino também o é. Se treinarmos a máquina com os nossos preconceitos (ainda que involuntariamente), ou seja, com conceitos e formatações, muitas das vezes com falta de parcialidade, o resultado é um sistema formatado com conceitos enviesados. Mas, sejamos otimistas, porque a verdade é que “a máquina”, quando bem treinada, origina um sistema de decisão muito eficiente e torna a IA uma ferramenta muito poderosa, capaz de aumentar drasticamente a nossa produtividade.
“Ouvir” fugas de água – um bom exemplo de IA aplicada
Um dos exemplos práticos mais interessantes que conheço desta capacidade da IA assumir um papel de relevo foi criado por um parceiro da ARQUILED, a start-up brasileira Stattus4, para detetar fugas de água na rede de abastecimento pública, visando a redução do enorme desperdício de água que continua a verificar-se.
Tipicamente, as condutas de água ou canalização estão enterradas no subsolo, sendo, portanto, muito difícil e oneroso detetar as fugas precocemente, porque desenterrar periodicamente a canalização para inspeção não é viável. Para superar esta dificuldade, a Stattus4 desenvolveu um sistema de IA que, com base em 10 segundos de som captado na canalização, consegue detetar se esta tem apresenta ou não fugas de água.
E a forma como o faz é de uma extrema simplicidade. Diz-nos a experiência que um tubo que tem um orifício por onde verte água, possui uma determinada vibração, que encontra correspondência numa “assinatura” sonora. Profissionais competentes e com ouvidos bem apurados conseguem detetar essa marca distintiva, mas uma pessoa sem essa preparação e experiência não o consegue fazer.
O que a Stattus4 fez foi utilizar a IA para “treinar” e multiplicar os “ouvidos bem apurados” nem necessitar deles. Em escassos minutos, o sistema consegue classificar milhares de amostras sonoras, de canalizações com potenciais fugas, o que seria humanamente inviável sem um batalhão de especialistas.
Com esta ferramenta, um profissional experiente só tem de validar os pontos suspeitos de fuga que são identificados. Num cenário em que o sistema de IA classificou 1% das amostras como pontos suspeitos, o profissional (homem) só precisará de entrar em ação para validar a classificação da máquina. Mas, só tem de analisar 1% das amostras! Por outras palavras, um recurso precioso e altamente qualificado consegue aumentar em 100 vezes a sua produtividade.
Creio que este exemplo demonstra bem o quão poderosa pode ser a IA quando a sua aplicação estiver generalizada. Ao filtrar grande quantidades de informação pouco relevante, alivia a carga do humano, aumentando a sua produtividade e autorizando-o a focar-se onde realmente é necessário o seu conhecimento. Não será por acaso que a Microsoft chama “Copilot” ao seu sistema de IA. A ideia é mesmo essa, passarmos a ter copilotos que nos ajudam a ser mais produtivos.
Miguel Allen Lima
ARQUILED CEO
[1] Poderíamos debater se o mesmo se aplica a nós humanos, mas seria matéria para outro artigo bem mais longo.